Quase um mês após a primeira manifestação de entregadores de aplicativos, motoboys e ciclistas organizam o segundo ato em capitais neste sábado (25) para reivindicar melhores taxas e condições de trabalho.Desde o 'Breque dos Apps' em 1º de julho, o tema recebeu a atenção de políticos, as empresas mudaram estratégias de comunicação e os canais da categoria ficaram mais populares no YouTube.A concentração do movimento é mais forte em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Brasília. A pauta prevalecente é por aumento do valor mínimo por entrega - alguns querem preço único aos aplicativos -, alta no valor por quilômetro rodado e o fim de bloqueios considerados injustificados e do sistema de pontuação (adotado pela Rappi).O pleito também inclui seguro em caso de roubo e acidente e auxílio-pandemia.Uma parcela ligada ao movimento sindical e a grupos menores, como os Entregadores Antifascistas, defende regi- me CLT - eles não puxaram o protesto, mas o apoiam.Pesquisa do Ibope encomendada pelo iFood mostrou que 30% querem CLT. O levantamento identificou que a maioria defende um sistema de trabalho flexível, "no qual é possível escolher em quais dias da semana e horários trabalhar, podendo atuar com vários aplicativos e definir a melhor forma de compor sua renda".Apesar de diferentes nuances na mobilização, o movimento recebeu mais apoio nas redes sociais no último mês, segundo Ralf Elisiario, um dos organizadores no Rio. Em 10 de junho, ele ajudou a comandar uma passeata contra a Loggi no Rio, que resultou em uma ação judicial coletiva contra bloqueios."Dessa vez, conseguimos carro de som, patrocínio de 500 quentinhas, apoio do sindicato da Petrobras [Sindipetro] e de motoristas da Uber, que vão apoiar com 200 carros", diz Elisiario, que tem o canal Ralf MT no YouTube.A pandemia aumentou a demanda por entregas, mas foi também o que levou os entregadores a protestar. Eles alegam que estão trabalhando mais e ganhando menos do que no período pré-Covid, devido à diluição dos pedidos entre novos motoristas que buscaram as plataformas."Saio às 9h e volto à 1h. Tenho uma média de fazer R$ 150 por dia. Antes da pandemia, ganhava R$ 70 até as 12h e lá pelas 15h eu batia minha meta", diz Juliana Iemanjara do Nascimento, 33, que trabalha com Loggi, Uber e iFood.Como depende dessa renda para pagar a faculdade, sustentar a mãe e dois filhos, Juliana também passou a fazer corridas para clientes particulares. "Quem trabalhava o quanto trabalho hoje até conseguia R$ 4.000 ao mês. Hoje é muito difícil, baixaram demais [a remuneração]", diz.Os entregadores hoje são o rosto mais visível da economia de aplicativos e da falta de legislação para esse tipo de trabalho. Neste mês, após o primeiro grande protesto, projetos de lei foram apresentados na tentativa de criar uma regulamentação.O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), chegou a receber entregadores e prometeu pautar projeto de lei. Uma dessas propostas, da deputada Tabata Amaral (PDT-SP), cria o regime de trabalho sob demanda, com a obrigação de um valor mínimo por hora.Para o advogado trabalhista Bruno Tocantins, a falta de legislação é central na discussão, pois o vácuo regulatório torna a atividade perigosa para os trabalhadores."Talvez se pudesse chegar a um meio termo de proteção mínima, seja pelo INSS, ou com as empresas contratando seguros, mas é necessário que haja uma proteção básica previdenciária."O advogado rejeita, no entan- to, a ideia de que esses trabalhadores sejam funcionários. "Ele não necessariamente é autônomo, mas também não deve ser confundido com empregado, pois trabalha quando quer, sem advertência, suspensão ou demissão."O enquadramento dos entregadores se assemelha aos contratos de zero hora usados no Reino Unido, modelo no qual o empregado não tem direitos sociais e nem salário fixo. Recebe apenas quando trabalha --e isso só acontece quando a empresa precisa."É comparável, mas há uma diferença quanto à flexibilidade de se pegar o trabalho ou não. O entregador não tem nenhuma obrigação com a empresa, e os desligamentos têm a ver com conduta, não é algo relativo à presença", afirma o pesquisador Daniel Duque, do Ibre/FGV.Os questionamentos quanto ao modelo, diz Duque, ocorrem em todos os países onde essas plataformas atuam."É uma experiência disruptiva sobre o mercado de trabalho em todo o mundo. Quanto mais longe você está da legislação, mais discordância, mais desconforto vai ter."O presidente do SindRio (Sindicato de Bares e Restaurantes do Rio de Janeiro), Fernando Blower, que integra a diretoria da ANR (Associação Nacional do Restaurantes), diz que há desequilíbrio no tripé entregador-restaurantes-consumidores.Para ele, há três questões principais que não atendem às necessidades dos restaurantes. A primeira é o custo do serviço, que consome a margem de lucro no negócio.Para oferecer o cardápio nesses aplicativos, os restaurantes pagam uma mensalidade, além de uma taxa sobre cada entrega. Com isso, de 20% a 25% do que vendem ficam com os apps.A transparência é outro problema. O empresário afirma que os restaurantes não conseguem acessar qualquer informação sobre o cliente - se ele já fez outros pedidos, qual o perfil de consumo."O cliente não é nosso, é da plataforma. Você também não sabe porque não está vendendo tanto ou porque seu restaurante está aparecendo na quarta página de busca."Por último, ele cobra dos aplicativos maior rigor quanto à venda de produtos de restaurantes não legalizados.Ainda assim, diz que o custo de contratar um entregador é inviável. "Ter um fixo só compensa se você tiver um grande volume de vendas. Os restaurantes têm horários de pico no almoço e no jantar e, nesses horários, não adianta você ter apenas um", diz.Apesar do desequilíbrio, Blower atribui às plataformas a adesão de muitos restaurantes ao sistema de entregas, antes praticamente reservado às pizzarias.OUTRO LADOOs aplicativos afirmam que as manifestações são legítimas e que atendem parte das demandas dos entregadores.O iFood afirma que sua base de motoristas não cresceu durante a pandemia."Tínhamos 170 mil entregadores ativos em março. Pouco mais de 400 mil fizeram cadastro, mas não necessariamente vão entrar. Posso garantir que não cresce o número de cadastrados", diz Roberto Gandolfo, VP de logística.Segundo a empresa, entregadores não são punidos por não aceitar rotas. O iFood diz ter oferecer seguro-acidente aos entregadores.Em nota, a Rappi admite que reavalia seu sistema de pontuação. "Entendemos que precisaríamos evoluir o modelo", diz. O acúmulo de pontos, que era semanal, passou a ser mensal. A mudança, segundo o app, atende demanda dos entregadores."No Brasil, em abril, registramos um pico de aumento de 128% no número de cadastros", diz a Rappi. O app afirma reembolsar despesas médicas de até R$30 mil.A Uber Eats afirma que oferece um seguro de até R$ 100 mil em caso de acidentes e reembolso de até R$ 15 mil para despesas médicas."Desde o começo da crise, a Uber mantém um fundo de R$ 25 milhões para apoiar motoristas da Uber e entregadores do Uber Eats em qualquer lugar do país", diz.