Após crítica pública do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), o ministro Paulo Guedes (Economia) afirmou a interlocutores que pretende permanecer no cargo e vai finalizar uma proposta alternativa para o Renda Brasil, programa elaborado pelo governo para substituir Bolsa Família.A equipe de Guedes prepara um modelo no qual o novo benefício começaria a ser pago no ano que vem, podendo partir de R$ 220 ou R$ 230. O valor é próximo aos R$ 190 pagos hoje pelo Bolsa Famíla e inferior ao desejado por Bolsonaro, que pressiona por parcelas de ao menos R$ 300.Como não há consenso no governo sobre os programas que seriam extintos para custear o Renda Brasil, o novo desenho de Guedes prevê que o programa comece a rodar em valor menor e os pagamentos seriam ampliados com o tempo.Isso dependeria de decisões futuras do governo e do Congresso sobre a extinção de outras ações.Nesta quarta-feira (26), Bolsonaro disse que suspendeu a apresentação do novo programa social."A proposta, como a equipe econômica apareceu para mim, não será enviada ao Parlamento, não posso tirar de pobres para dar para paupérrimos", afirmou em discurso, durante cerimônia em Ipatinga (MG).A crítica pública foi vista no Planalto como uma tentativa de transferir ao ministro o desgaste de uma inevitável redução do auxílio aos mais pobres.A colegas de ministério, Guedes reclamou da declaração, mas disse que faz parte do papel político exercido por Bolsonaro. Segundo relatos, ele ponderou que o presidente viu o efeito imediato da afirmação, com forte turbulência no mercado e disparada do dólar.Nos bastidores, o ministro também avalia que episódios desse tipo acabam construindo uma imagem de que o presidente é bonzinho e busca um benefício mais alto, enquanto o ministro da Economia sai como o vilão que corta benefícios.Guedes tem sido constante alvo de ministros das alas política e militar do governo, que ficam no entorno do presidente e pressionam por ampliação de gastos públicos.Em meio a especulações de que Guedes teria pedido demissão após as críticas, o Ministério da Economia teve de soltar comunicado para desmentir o boato e afirmar que ele segue trabalhando normalmente.O vice-presidente, Hamilton Mourão, saiu em defesa do ministro. "O Paulo Guedes tem a resiliência necessária. Essa discussão [do Renda Brasil] está sendo feita dentro do governo", disse. "O Paulo Guedes está firme", afirmou.Com a fritura criada por Bolsonaro, voltou a circular o nome do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, como possível sucessor de Guedes.Um auxiliar da família Bolsonaro disse que o nome de Campos Neto é ventilado desde a primeira crise entre o presidente e o ministro da Economia. Pessoas próximas ao chefe do BC afirmam, no entanto, que ele também poderia deixar o cargo em uma eventual demissão de Guedes.A avaliação é de que Bolsonaro testa até onde Guedes aguenta a fritura, mas que o mais importante é encontrar alguém para apontar o dedo quando tiver de acabar com o auxílio emergencial de R$ 600, um dos principais fatores para a alta de sua popularidade.Bolsonaro, então, conduz um jogo de morde e assopra. Na noite de terça-feira (25), em evento com donos de bares e restaurantes, ele referiu-se à equipe econômica como maravilhosa.Menos de 24 horas depois, resolveu levar a público o embate da reunião sobre o Renda Brasil.Um dos pontos criticados pelo presidente é o fim do abono salarial, uma espécie de 14º salário pago a quem ganha até dois salários mínimos."Não podemos tirar isso de 12 milhões de pessoas para dar para um Bolsa Família ou um Renda Brasil, seja lá o que for o nome deste novo programa", disse o presidente nesta quarta.Em reunião no Planalto na terça Bolsonaro recebeu opções para o Renda Brasil e acabou rejeitando a extinção do abono, um dos programas que eram alvo da equipe econômica para reforçar o Renda Brasil. O custo anual é de R$ 18 bilhões.Os cálculos da equipe econômica consideram que o Renda Brasil poderia chegar a R$ 270 com a extinção de 27 programas ou benefícios existentes hoje, inclindo o abono. Se a medida englobasse o fim das deduções do Imposto de Renda, o benefício poderia superar R$ 300.Com o veto de Bolsonaro, no entanto, as contas descem para um patamar entre R$ 220 e R$ 230, considerando que seriam extintos apenas programas menores.A partir desse cenário base, que Guedes passou a chamar de "Renda Brasil sustentável", o Congresso poderia debater quais outros programas poderiam ser eliminados para compensar uma ampliação das parcelas.O modelo teria sido aceito por Bolsonaro, que deu alguns dias para que a equipe econômica faça as contas e apresente uma proposta final.Segundo membros da equipe econômica, o recado sobre não tirar recursos de pobres para dar a paupérrimos foi recebido, e serão analisadas alternativas.O desafio é encontrar espaço dentro do teto de gastos, que limita o crescimento dos gastos públicos à variação da inflação.A opção em debate é a redução das despesas obrigatórias por peio de uma PEC (proposta de emenda à Constituição) que tramita no Congresso e retira amarras do Orçamento. Mesmo assim, isso pode não abrir espaço suficiente para os recursos demandados.Guedes diz acreditar que o anúncio do Renda Brasil pode ser feito nos próximos dias e estuda uma transição para este ano. Ele defende que o valor do auxílio emergencial pago a trabalhadores caia gradualmente até atingir o patamar do Renda Brasil. Assim, seria possível ligar os dois programas.Na terça, Bolsonaro afirmou que o auxílio emergencial será mantido até o fim do ano, mas em valor menor do que o atual."Acreditamos que teremos mais um endividamento, não na ordem de R$ 50 bilhões por mês, como é este auxílio emergencial no momento, de R$ 600, mas diminuir um pouco este valor para ver se a economia pega. Nós temos de pegar. A economia tem de pegar", disse Bolsonaro na noite de terça.Desde domingo (23) a página do presidente no Facebook foi inundada por publicações como "Não vamos desistir! #Não aceitamos a redução do auxílio emergencial", "Se reduzirem nosso auxílio emergencial, daremos o troco nas urnas!" e "Esse é o pedido de milhões de brasileiros! Prorrogar com R$ 600 até dezembro, neste momento, é um ato de humanidade, não político!".A suspensão da proposta do Renda Brasil ganhou apoio de líderes do Senado que tradicionalmente são opositores das ideias do governo. Entre eles, Simone Tebet (MDB-MS), presidente da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Casa.A senadora é contra a possibilidade de extinção de programas sociais em prol de um único auxílio. "Só justificaria discutir uma unificação de programas sociais se ao mesmo tempo aumentasse para R$ 300 o Renda Brasil e também pedisse uma cota de sacrifício para a cota A e B", disse Tebet.