Maior investidor de startups dos últimos anos e responsável por 10 cheques em empresas brasileiras em 2019, o grupo japonês SoftBank tem vivido dias difíceis. Só na semana passada, quatro nomes (Oyo, Zume, Getaround e a colombiana Rappi, que atua no Brasil) que receberam aportes da companhia de Masayoshi Son fizeram 2,6 mil demissões em suas operações no mundo todo.

Ao longo de 2019, outras 7 mil vagas foram fechadas em empresas investidas pelos asiáticos. São números que fizeram acender no mercado um sinal amarelo: será que os bilhões do SoftBank podem levar a uma nova bolha da tecnologia?

A preocupação aumenta ao se pensar no que aconteceu em 2019 com Uber e We Work, apoiadas pelos japoneses. A primeira, que abriu capital com altas expectativas, demitiu 1,5 mil pessoas e luta para dar lucro. Já a segunda cancelou seus planos de abertura de capital após prospecto a investidores mostrar falhas graves de governança corporativa. Em poucos dias, a startup teve sua avaliação reduzida de US$ 47 bilhões para US$ 8 bilhões – e precisou de socorro em torno de US$ 10 bilhões do SoftBank, levando os japoneses a ter seu primeiro prejuízo trimestral em 14 anos.

As duas empresas são as principais apostas do Vision Fund, fundo de capital de risco de US$ 100 bilhões liderado pelo SoftBank desde 2016 – e que conta também com dinheiro de Apple, Qualcomm e do fundo soberano da Arábia Saudita, entre outros. Com cheques multimilionários, o fundo já foi acusado de supervalorizar startups.

Para os especialistas ouvidos pelo Estado, porém, é cedo para dizer que o SoftBank pode fracassar – e levar o mercado de tecnologia com ele. “Muita gente fica assustada, mas não entende como funciona o capital de risco. Parte do portfólio vai dar errado mesmo”, afirma Caio Ramalho, pesquisador em startups da FGV-RJ. “O papel dos fundos é ajudar as startups a encontrarem o melhor caminho – e reestruturar negócios e demitir fazem parte disso.” Na semana passada, porém, a Rappi negou que as 300 demissões que fará estejam relacionadas ao momento global do SoftBank.

Segundo Pedro Waengertner, professor da ESPM e sócio da empresa de inovação Ace, não é correto analisar o desempenho do Vision Fund no curto prazo – todo fundo de capital de risco tem um prazo para dar retorno aos seus investidores.  “Uber e WeWork são dois negócios principais e afetaram o resultado, mas as correções de rota são possíveis”, diz. “No caso do SoftBank, é ainda mais difícil de julgar, porque eles apostam mais alto do que a média e causaram uma revolução recente no mercado, ainda sendo difícil entender a lógica completa do jogo.”

Procurado pelo Estado para comentar o assunto, o SofBank informou em nota que “continua firme na crença de que empresas baseadas em tecnologia vão revolucionar toda a economia”, com investimentos gerando “alto impacto e grandes oportunidades”. Segundo apurou a reportagem com fontes próximas à empresa, os japoneses tornaram mais rígido o processo de seleção para novos aportes, incluindo profunda análise sob a governança.

Mercado aberto
O que mudará, porém, é que startups deverão se preocupar menos em crescer rapidamente e mais em como dar lucro. É no que crê Brad Gastwirth, estrategista-chefe de tecnologia da corretora Wedbush Securities. “As empresas precisarão ter modelo de negócios definido quando chegarem à bolsa”, diz ele. “Muita gente diz que a Amazon passou 20 anos sem dar lucro, mas ela é a exceção que confirma a regra, não a regra em si.”

Para a professora de finanças do Insper Andrea Minardi, a lição a ser aprendida neste momento é que é preciso ter cautela. “Há um ensinamento básico em finanças: caixa em excesso faz mal. Isso tira o foco, gera gastos desnecessários e é difícil recuperar a rentabilidade. O SoftBank e o mercado em geral vão se reajustar para esse novo momento”, afirma ela.

O raciocínio vale, claro, para as startups brasileiras, afirma Leonardo Teixeira, sócio do fundo Iporanga Ventures, que já aportou em empresas como QueroEducação, Loggi e Olist – as duas últimas receberam aportes do SoftBank. “É importante agora crescer o mais rápido possível, mas sempre mirando a geração de caixa”, diz ele, que faz a ressalva. “Startups não são imunes a erros”. É algo que está na cabeça de André Maciel, líder da operação brasileira da empresa: em evento realizado no final de 2019, ele falou com franqueza sobre investimentos feitos aqui. “Esperamos mortalidade de algumas empresas, o que é natural, mas vamos manter o ritmo de investimentos”.

Para Teixeira, da Iporanga, o tropeço recente do SoftBank não deve afetar o ecossistema brasileiro, que começa a alcançar a maturidade só agora, de forma grave. “Pode haver uma correção na avaliação de mercado feita em algumas empresas, mas o Brasil tem talento humano e está num momento de expansão”, afirma. Além disso, ele sente que as mostras de maturidade do cenário de startups local nos últimos dois anos – como os dez aportes multimilionários feitos pelo SoftBank e os 11 unicórnios que o País gerou – deve incentivar mais gente a “dar o salto de fé”, incluindo profissionais que já fizeram carreira em grandes empresas e agora devem abrir seus próprios negócios.