Principal coordenador do plano de governo do pré-candidato à Presidência João Doria (PSDB-SP), o ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles afirma que o reestabelecimento do teto de gastos original será prioridade caso o tucano seja eleito.Reformas administrativa e tributária e a privatização da Petrobras em blocos também serão perseguidas.Meirelles, 76, acredita que a economia voltará a crescer rapidamente se o teto original for reestabelecido e a confiança, recuperada."Olha o exemplo de 2016. O Brasil tinha caído 5,2% de junho de 2015 a maio de 2016. Aprovamos o teto e, no ano seguinte, crescemos entre o último trimestre de 2016 e o último de 2017 2,2%. Isso foi efeito do teto. A reação é imediata", afirma."No momento em que começou a se discutir essas violações do teto, a economia piorou imediatamente."Antes da aprovação da PEC (proposta de emenda à Constituição) dos Precatórios, a correção do teto ocorria em julho, já que, em agosto, o governo tem de enviar a previsão orçamentária do ano seguinte. Agora, com a correção em dezembro, o Orçamento é fechado com dúvidas sobre quanto se pode gastar no ano seguinte.A PEC também limitou o pagamento de precatórios, empurrando para frente valores bilionários em dívidas judiciais que um dia terão de ser pagas, o que cria insegurança.*PERGUNTA - Quais seriam os pontos fundamentais na busca de uma consolidação fiscal a partir de 2023? Haveria ajuste no funcionalismo, corte nos subsídios fiscais de mais de R$ 300 bilhões a setores e empresas? Qual o plano?HENRIQUE MEIRELLES - Primeiro, é preciso reestabelecer, em sua integralidade, o teto de gastos. Com outra proposta de emenda constitucional cancelando essa PEC [dos Precatórios], que só cria distorções.Com o reestabelecimento do teto, começa-se a definir prioridades, que foi exatamente a finalidade principal do teto de gastos: incentivar a definição de prioridades. Senão, qualquer despesa é prioridade, que é a situação que o Brasil vivia antes do teto.Quando foi estabelecido, em 2016, o teto levou a um aumento da confiança e do crescimento.Isso mostra exatamente seu impacto positivo. A partir daí, temos que trabalhar na consolidação fiscal.Nós temos uma vantagem muito grande porque podemos falar muito além da teoria e dos planos. Temos isso aplicado em São Paulo. Fizemos uma reforma administrativa e outra previdenciária, muito mais forte que outros estados.Assim, temos aqui uma geração de receita adicional neste ano de R$ 50 bilhões, que serão empregados em projetos sociais e de infraestrutura. Existem 8.000 obras que começam a ser executadas.Em primeiro lugar, é preciso uma reestruturação do Estado para torná-lo mais eficiente e diminuir custos.Em segundo, a área de incentivos fiscais. Isso foi feito em São Paulo. Fechamos cinco empresas estatais que não tinham mais razão de existir, cortamos benefícios e privilégios, racionalizamos o custo e a estrutura do estado.Todos os benefícios fiscais concedidos foram diminuídos em 20%. O estado gerou recursos para investir e ficou mais eficiente. É algo que dá para fazer e certamente constará do plano. P. - Na área tributária, seria necessário algum novo imposto para elevar a arrecadação para complementar o ajuste fiscal?HM - Não. A carga tributaria no Brasil já equivale à dos países do norte da Europa, sem ter o serviço público que eles oferecem. Não há espaço mais no Brasil para aumento da carga tributária. Mas [há espaço] para aumentar a eficiência do Estado, da disponibilidade de recursos para investimentos através da reforma administrativa.Depois, outras medidas, [como] privatização e concessão de infraestrutura para o setor privado. Temos o exemplo da estrada Piracicaba-Panorama, de 1.273 km, com investimentos privados previstos de quase R$ 14 bilhões. E ainda gerou R$ 1 bilhão para o estado em outorga paga pelo consórcio vencedor.Temos a concessão [em andamento] de parques às estradas litorâneas, as balsas, 22 aeroportos regionais. Tudo isso melhora a qualidade do serviço à população e arrecada para o estado. P. - Na área tributária, qual seria o plano? O sr. tem simpatia pela proposta do Bernard Appy [do Centro de Cidadania Fiscal e um dos idealizadores da reforma tributária contida na PEC 45]?HM - Trabalhei conjuntamente com os demais estados e chegamos a um acordo unânime pela primeira vez em 30 anos entre os 27 estados. Baseados na proposta da PEC 45, apresentamos ali um substitutivo aperfeiçoando um pouco a questão de como compensar os estados produtores nos primeiros anos pela mudança da tributação no destino, em vez de na origem.Esse substitutivo à PEC 45 já foi apresentado no Congresso Nacional com apoio unânime dos estados. Isso é fundamental. Além disso, essa proposta viabiliza uma grande racionalização no pagamento de impostos e aumenta a produtividade no país. P. - Lucros e dividendos, voltaria a proposta de tributação?HM- Vai ser algo a ser discutido no âmbito do grupo econômico. Não vou me adiantar agora. P. - Qual a avaliação da situação de desarrumação das contas públicas? O sr. acha que, restabelecendo o teto e um pouco da confiança, a economia reage rápido?HM - Não tenha dúvida. Olha o exemplo de 2016. O Brasil tinha caído 5,2% de junho de 2015 a maio de 2016. Aprovamos o teto e, no ano seguinte, crescemos, entre o último trimestre de 2016 e o último de 2017, 2,2%. Isso foi um efeito do teto. A reação é imediata. Foi um efeito do teto.No momento em que se começou a discutir essas violações do teto, a economia piorou imediatamente. Pois o maior problema do Brasil nos últimos anos tem sido a expansão fiscal insustentável. Atacando isso, a economia volta rapidamente. Além disso, [temos de fazer] reforma administrativa, tributária, etc. A resposta é muito rápida. P. - Os governos Temer e Bolsonaro tocaram algumas mudanças infraconstitucionais ou que passaram por alteração na Constituição, como novos marcos regulatórios do gás e saneamento, autonomia do Banco Central. O que mais dá para fazer nessa linha?HM - Há uma série de medidas nessa direção que visam o melhor funcionamento da economia e da produtividade. Normalmente, naquilo que gosto de chamar de "facilidade de produção", existem diversas medidas. Como tempo de abertura de empresas; algo que fizemos em São Paulo.No Brasil, em 2016, gastava-se em média 101 dias para se abrir uma empresa. Hoje, em São Paulo, já se abre empresa em uma hora. Esse tipo de coisa pode ser levado ao Brasil inteiro.Outra coisa é a digitalização tributária, diferente da reforma tributária. Digitalização de procedimentos, simplificação de normas e coisas que estamos fazendo em São Paulo, e que aumentam a produtividade.Mas não há dúvida de que, para o início disso tudo, temos de falar de reforma administrativa, tributária e investimento em infraestrutura. Depois, a melhora do ambiente de negócios, e uma parte muito importante de curto e médio prazo, que é a questão da educação e treinamento. Existe um campo enorme para se conseguir aumento da produtividade com treinamento da força de trabalho.Sempre gosto de citar o ditado de que o longo prazo demora, mas chega. Nesse ponto, há a melhora do ensino. De novo, isso está sendo feito com sucesso em São Paulo, que tinha a sétima posição na classificação geral e agora está em primeiro lugar. P. - Na Petrobras, haveria mudança na política de preços ou plano de privatização?HM - Não sei o que será decidido pelo nosso grupo. Em minha opinião pessoal, o que precisará ser feito é a privatização da Petrobras, com a divisão da empresa em mais de uma, passando a prevalecer a competição para que os preços [dos combustíveis] caiam. E não com interferência do governo.Fazer algo como foi feito na telefonia dos Estados Unidos ou no monopólio da Standard Oil [norte-americana] há um século. P. - Com o atual ciclo de aumento dos juros no combate à inflação, é esperado um crescimento menor em 2022, o que deve agravar o quadro social. O governo Bolsonaro recauchutou o Bolsa Família e aumentou o valor para R$ 400, em média, com prazo para acabar, nesse montante, no fim de 2022. O que vai ser feito nessa área?HM - Isso vai ser parte do trabalho de nosso grupo. Mas o melhor programa social que existe é a geração de empregos. Neste ano, já criamos em São Paulo mais de 800 mil empregos e devemos chegar perto de 1 milhão. São Paulo tem 22% da população e está criando 40% do total de novos empregos no país. Isso é o maior e melhor programa social que existe.Há, certamente, outros programas, que estamos aplicando em São Paulo, como o Almoço Grátis e a Bolsa do Povo. P. - Pesquisas eleitorais mostram uma cristalização do favoritismo de Lula e Bolsonaro em 2022 [47% e 21% das intenções de votos no primeiro turno, respectivamente, segundo o Datafolha]. Quais as chances da terceira via?HM - Pesquisa um ano antes da eleição reflete um reconhecimento de nomes. Um é o atual presidente da República e o outro, o ex-presidente. O eleitor neste momento está pensando no problema econômico, na inflação, nos preços da carne, do pão. Ele vai começar a pensar em eleição a partir de maio.Nesse momento a terceira via terá condições de decolar. Principalmente o João Doria. Em 2018, a eleição foi muito baseada em rejeição à classe política, que acabou se transformando em rejeição a qualquer experiência administrativa. Deu no que deu. O efeito é ruim e a população está sentindo isso agora.Minha avaliação é que, na próxima eleição, a população vai olhar muito mais a gestão. O que a pessoa já realizou e o que pode realizar. João Doria tem o que mostrar em São Paulo. Não vai falar em teoria. Em 2018 bastou chegar lá e ficar gritando. Agora, vai ter de mostrar trabalho concreto e realizado. P. - Num eventual governo Lula, o sr. voltaria a trabalhar com ele?HM - Isso é prematuro. O fato é que estou trabalhando com o Doria, que está concorrendo com o Lula.*RAIO-XHENRIQUE MEIRELLES, 76Atual secretário da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo. Foi presidente internacional do BankBoston, presidente do Banco Central em todo o governo Lula (2003-2010) e ministro da Fazenda no governo Michel Temer (2016-2018). Foi candidato à Presidência pelo MDB em 2018 e pretende disputar o Senado por Goiás pelo PSD.