As medidas adotadas pelo governo federal contra o risco de racionamento de energia no Brasil podem ampliar a crise econômica que já afeta o maior balneário turístico de Minas Gerais, formado no entorno do lago da usina hidrelétrica de Furnas, uma das mais importantes para o abastecimento de energia do país.O governo avalia editar uma medida provisória que vai priorizar o uso da água nas barragens das usinas para o setor elétrico. No caso de Furnas, já existe um embate entre soltar mais água --para abastecer outras hidrelétricas rio abaixo-- ou segurá-la, para preserva as atividades econômicas atreladas ao lago, como o turismo. Como a crise hídrica está comprometendo a oferta de energia, a MP já é vista como ameaça por prefeitos dos municípios cuja economia gravita no entorno do reservatório.O lago se espalha por 34 municípios. Segundo dados da Alago (Associação dos Municípios do Lago de Furnas), o turismo na região já deixa de faturar R$ 53,8 milhões por ano por causa da redução no nível do reservatório. A piscicultura também está ameaçada.O lago surgiu com a construção da hidrelétrica, inaugurada em 1963, e desde então passou a figurar como um dos principais motores da economia da região. Há forte atividade hoteleira em sua orla, além de serviços agregados à gastronomia e ao turismo, especialmente passeios náuticos que atraem turistas de outras partes de Minas Gerais e de estados vizinhos, como São Paulo.O turismo sofreu um forte baque durante a pandemia do novo coronavírus. Agora, quando a vacinação avança e a imunização pode trazer de volta os turistas, é a crise energética que ameaça a atividade, avaliam as comunidades locais.O prefeito de Cristais, Djalma Carvalho (DEM) --que é também presidente da Alago--, reclama de insensibilidade do ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico), responsável pela gestão energética. "[O ONS] Quer produzir energia. Não quer saber se a água tem outros usos. Quer garantir a geração ao máximo."Carvalho diz também que estão sendo atendidos interesses do estado de São Paulo, que prefere ver a água saindo do lago de Furnas para manter o nível de água na hidrovia Tietê-Paraná. "Quanto mais água sai de Furnas, melhor a navegabilidade no Tietê", diz.A hidrovia é responsável pelo escoamento de parte da produção agrícola de estados do Centro-Oeste. "Mas não podemos ficar à míngua aqui", afirma o prefeito. "Hoje em algumas cidades não há mais lago, há pântano. É um total desrespeito." Segundo Carvalho, o nível do lago já afugenta até investidores. "Não há empresário que se interesse em investir na região com lago vazio. A região é muito bonita, mas chega-se lá com a família e encontra-se um brejo."O diretor da União dos Empreendedores dos Lagos de Furnas e Peixoto, Thadeu Alencar, também defende que Furnas não tem condições de liberar mais água."O que pode acontecer agora é o caos total", afirma. "Turistas de regiões mais distantes não aparecem mais, por receio de a água estar baixa."Segundo Thadeu, os passeios de barco também foram reduzidos em razão do nível baixo do reservatório. Cada embarcação partia com dez turistas a R$ 90 por pessoa, com crianças pagando meia passagem.O prefeito de Capitólio, Cristiano Geraldo da Silva (PP), afirma que a cota considerada ideal para garantir a atividade econômica voltada para o turismo no entorno do lago é de 762 metros acima do nível do mar. No entanto, ela foi reduzida, e um novo limite, menor, seria insustentável.O senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), hoje presidente do Senado, apadrinhou os prefeitos da região e busca garantir a cota mínima para preservar o turismo e outros atividades econômicas.Em 28 de maio, Pacheco foi às redes sociais criticar o ONS. Conforme o senador, o órgão responsável pela gestão do sistema de energia do país "se apoderou das águas brasileiras para um propósito único de geração de energia".O senador tem argumentado que todos os municípios no entorno cresceram depois da inauguração da hidrelétrica e que hoje milhares de trabalhadores tiram o sustento das atividades desenvolvidas a partir do lago.Anderson Aparecido Manoel, 41, morador de Cássia, é um deles --ou era. Manoel se apresenta como ex-piscicultor. Afirma que chegou a participar de cooperativa de criadores de peixes que reunia mais de 300 produtores. Abandonou a atividade para ganhar vida como criador de cachorros da raça buldogue francês. Os peixes eram criados em tanques instalados no lago, e a produção, enviada principalmente para São Paulo. "Colocava mil alevinos e em seis meses tirava mil tilápias", diz Anderson. "Em Cássia tinha um abatedouro de peixes, que não existe mais", afirma.O ex-piscicultor explica que um dos motivos que o obrigaram a deixar a atividade foi a qualidade da água. "O esgoto de muitas cidades é jogado no reservatório. Quando o mesmo volume de esgoto é descarregado, mas a quantidade da água do lago diminui, o resultado é mais poluição, o que afeta a produção." Anderson afirma que a redução no nível de turistas também compromete a segurança."No início de junho, entraram em uma casa e roubaram motor de lancha, motor de canoa e bomba-d'água." A propriedade estava vazia. "Sem água, ninguém vem para cá, e os ladrões fazem a festa." Furnas, em nota, afirmou que as usinas hidrelétricas brasileiras integram o Sistema Interligado Nacional e que sua operação é planejada e programada pelo ONS, "também responsável por operar o conjunto de reservatórios brasileiros de forma integrada, com o objetivo de garantir a segurança energética".Conforme a empresa, o reservatório da usina atualmente está na elevação 758,14 metros, o que representa um volume útil de 33,45%. "A usina está operando conforme despacho do ONS, com uma geração em torno de 800 MW, o que corresponde a 65,8% da capacidade instalada", afirmou. Procurados, ONS, ANA (Agência Nacional de Águas) e governo de Minas Gerais não se manifestaram sobre o cenário em Furnas.