Na proposta de reforma administrativa, o governo decidiu poupar servidores de carreiras que consomem pelo menos R$ 46 bilhões ao ano em recursos públicos, aponta levantamento feito pela Folha a partir de dados oficiais.

A título de comparação, essa despesa equivale a 48% do valor gasto pelo Poder Executivo federal com todos os servidores públicos civis ativos, incluindo das áreas de saúde e educação. O Executivo é o Poder que tem a maior folha de salário.

O cálculo considera apenas servidores ativos e é baseado em números de Ministério da Economia, CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e MPU (Ministério Público da União).

A lista de funções excluídas da reforma administrativa do governo (ou atingidas parcialmente) inclui magistrados, membros do Ministério Público, militares, auditores fiscais, diplomatas e policiais federais.

Dois grupos não seguirão toda a reestruturação proposta pelo governo para as regras do serviço público, que serão mais rigorosas com o fim de penduricalhos, redução da remuneração de entrada e implementação de avaliações de desempenho mais rígidas.

Sobre o primeiro conjunto, as normas da reforma não serão aplicadas. Os beneficiados são os chamados membros de outros Poderes, o que inclui juízes, desembargadores, procuradores e promotores.

Parlamentares também compõem essa categoria, mas têm cargo eletivo e não se enquadram na proposta de reformulação do funcionalismo.

A reforma alcançará os servidores que atuam nos três Poderes. Portanto, o impacto será sentido pela maior parte dos componentes do Executivo, Legislativo e Judiciário, exceto aqueles postos considerados a elite.

O servidor da área administrativa de um tribunal terá de obedecer às novas regras, mas um juiz não.

Entre os magistrados, há diversos casos de benefícios acumulados nas Justiças estaduais que fazem o rendimento líquido mensal ultrapassar R$ 100 mil, muito acima do teto do funcionalismo (de R$ 39,2 mil).

O governo ainda optou por não reestruturar carreiras, remunerações e benefícios dos militares das Forças Armadas. Eles também serão totalmente poupados dos ajustes da reforma.

Reunidas, essas categorias têm custo anual de ao menos R$ 41,9 bilhões para o Orçamento público.

Um segundo grupo de servidores será atingido pelas novas regras, mas receberá uma camada extra de proteção caso o plano do governo seja aprovado. Pela proposta, as chamadas carreiras típicas de Estado não poderão sofrer cortes de jornada e salário.

Esses servidores são considerados estratégicos para o serviço público e não há paralelo para suas funções no setor privado.

A lista exata das carreiras será proposta pelo governo em um segundo momento, mas a legislação prevê esse enquadramento para as áreas de segurança pública, diplomacia, tributação, procuradoria da Fazenda Nacional, controle interno e Ministério Público.

Considerando as pessoas que ocupam parte dessas funções no governo atualmente, o gasto anual com esses servidores é de pelo menos R$ 4,56 bilhões. O número não considera os membros do Ministério Público, já contabilizados no primeiro grupo.

O gasto com as carreiras típicas de Estado dependerá de quais cargos serão incluídos nessa lista. O cálculo feito pela Folha considera funções já citadas por técnicos do governo para exemplificar o que poderia ser considerado como atividade exclusiva do Estado.

Ao levar em conta os dois grupos que terão algum nível de privilégio na reforma administrativa, a despesa da folha de pagamentos com esses servidores totaliza ao menos R$ 46 bilhões por ano.

Juízes e desembargadores, por exemplo, representam 7,6% da força de trabalho do Judiciário, mas consomem 23% do Orçamento do Poder com pessoal.

Os procuradores são 14,5% da força de trabalho do Ministério Público da União, mas demandam 25% das verbas de pessoal do órgão.

A PEC (Proposta de Emenda à Constituição) apresentada pela equipe econômica na última semana acaba com progressões automáticas de carreira, como as gratificações por tempo de serviço, e cria maiores restrições para acesso ao serviço público.

O texto também abre caminho para o fim da estabilidade e uma redução do número de carreiras.

A medida ainda proíbe que servidores públicos tenham mais de 30 dias de férias por ano. Períodos mais longos de descanso anual são usuais no Judiciário e no MP.

A equipe econômica discute no Congresso desde o ano passado uma medida que prevê a possibilidade de cortar jornadas e salários de servidores em até 25% em situações de aperto fiscal.

Ao apresentar a proposta de reforma administrativa, o Ministério da Economia argumentou que o presidente da República não tem autonomia para propor mudanças de normas para membros de outros Poderes.

A pasta afirma que isso poderia ser feito apenas por sugestão dos órgãos onde esses servidores atuam ou por decisão do Congresso.

Sobre as carreiras típicas de Estado, o governo afirma que essas posições são estratégicas.

O Ministério da Economia também foi questionado sobre a razão de militares terem ficado fora das alterações centrais da reforma administrativa. O secretário especial adjunto de Gestão, Gleisson Rubin, afirmou que o trabalho foi voltado apenas aos servidores civis.

"O foco é a reorganização do serviço público civil. A discussão dos projetos militares teria de ser feita dentro do contexto das mudanças apresentadas", afirmou na quinta-feira (3).