Mais um 8 de março. Mais adjetivos e mimos de toda ordem para romantizar uma das narrativas mais antigas da história da humanidade, o calvário de ser mulher em uma sociedade machista e desigual.

Antes mesmo de começarem as homenagens esvaziadas de sentido, o que me levou a escrever estas linhas são dois fatos assistidos nesse início de março. 

O primeiro deles, de repercussão mundial, é a coisificação das mulheres por um parlamentar paulista que sequer merece ter o nome mencionando nesse texto pelo nível de canalhice que sua conduta apresenta. Digo coisificação porque o fato citado transcende até a noção de objeto com a qual sempre fomos tratadas, seja para a satisfação da lascívia masculina ou para a servidão no lar. Infelizmente, em pleno século XXI, não raros os casos em que saímos da condição de objeto para sermos tratadas como coisas por aqueles que dependem quase que totalmente de nós para a plena sobrevivência.

O segundo fato, bem menos visto pela mídia, trata de uma propaganda veiculada em TV aberta em Imperatriz, Maranhão, onde o proprietário de uma loja voltada a utensílios domésticos, associa a data aos itens que comercializa.

De forma sutil, utilizando a própria esposa como personagem, o empresário reforça a ideia de coisificação feminina quando ressalta que o dia internacional da mulher deve ser celebrado com homenagens em forma de utensílios domésticos. Aqui, uma nítida redução das conquistas femininas e sua contribuição na conjuntura social ao ambiente doméstico.

Essas palavras podem parecer o famoso recalque feminista. Pelo contrário, é mais uma tentativa de dizer que estamos exaustas em ter que lutar para fazê-los enxergar que somos mais, muito mais, do que coisas. Que nosso papel social não está diretamente atrelado às obrigações domésticas, que também podem ser realizadas pelos homens. Mais cansadas ainda em ter que proteger nossos corpos, nossa dignidade e a própria vida.

Mesmo diante de todos os obstáculos, nunca paramos e não vamos parar. Continuaremos repetindo e cobrando nossos direitos e nosso lugar.

Seguiremos afirmando que antes de ser mulher, somos humanas e merecemos respeito.

E para não dizer que não falei das flores, elemento utilizado para romantizar, bem como superficializar a simbologia do 8 de março, recorto versos de Geraldo Vandré, escritos no contexto dos anos de chumbo no Brasil:

"Somos todos iguais, braços dados ou não
Nas escolas, nas ruas, campos, construções;
Caminhando e cantando e seguindo a canção;
Vem, vamos embora, que esperar não é saber;
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer."

Por todas que nos antecederam, mais ainda pelas que nos sucederão, somos resistência pelo direito de ser quem quisermos ser. Acima de tudo, pelo direito de ser mulher. Então, dê-nos as flores todas as manhãs, mas engula seu preconceito. Somos mulheres, e isso nos basta.