O título deste artigo pode soar estranho, óbvio e até mesmo desnecessário para centenas, milhares de pessoas. Todavia, refletir sobre educação é algo sempre necessário e fundamental para o desenvolvimento humano, sobretudo quando vivemos mergulhados em sérios problemas que afligem o mundo, tais como os desastres ambientais e climáticos, a fome e a miséria de milhões de pessoas, o aumento da violência, a sustentação de uma guerra armada por causa de interesses individuais, o individualismo exacerbado, entre outros desafios civilizatório.

Fazer emergir a questão: Educação, para quê? é, a princípio, reconhecer a urgente necessidade de pensar o sentido de nossas vidas no mundo, inclusive a questão da sobrevivência cósmica. Essas são algumas razões para se pensar o que é educação, qual a sua especificidade e qual o seu sentido para nós humanos.

Educar é um ato humano. Nenhum outro animal é capaz de educar a si mesmo, por exemplo, o “João-de-barro”, o “beija-flor”. Ambos constroem seus ninhos sempre da mesma forma, por repetição. O que difere os seres humanos de outros animais é a capacidade de fazer coisas de diferentes modos e formas. Ainda que a repetição seja um aspecto do aprender humano, ela não o determina. Educação é uma tarefa que ultrapassa a mera repetição, pois trata-se de uma capacidade de desencadear o novo, de realizar constantes mudanças, de tornar-se melhor, de transformar a si mesmo e o mundo do qual faz parte. Ela é um caminho formativo de humanização.

Pensada dessa forma, a educação é um projeto de desenvolvimento, de aperfeiçoamento das potencialidades humanas por meio das relações com os outros e com o mundo. Nos educamos não para nós mesmos, mas como diria Hanna Arendt (2019), filósofa alemã do século XX e autora da obra intitulada A Condição Humana, para “sermos-com-os-outros-no-mundo”, isto é, para aprendermos a “conviver”.

Na trilha dos estudos arendtianos, a convivialidade é um conceito político, pois une os seres humanos num mesmo lugar, o mundo, e os convoca à participação e à partilha. Conviver é uma via de mão dupla; é um querer encontrar com e um deixar-se encontrar. Então, pode-se dizer que a ausência do espírito de coletividade é um dos instrumentos da instituição do totalitarismo, da exclusão e de todas as formas de barbáries.

De outro modo, o educador e patrono da educação brasileira, Paulo Freire (1983, p. 79), em sua obra Pedagogia do Oprimido, afirma: “...ninguém educa ninguém, como tampouco ninguém educa a si mesmo: os homens se em comunhão, mediatizados pelo mundo”. Esta concepção de educação nos remete ao conceito de convivialidade em Arendt (2019), um caminho cujo o fim é a humanização como projeto civilizatório.

A especificidade da educação não é apenas a escolarização e a socialização humana. Essa é uma visão fragmentada, excludente e ameaçadora da dignidade da vida humana e do mundo. A educação é uma tarefa complexa e exige criticidade, requer a busca da verdade sobre os seres, as coisas e o mundo conduzindo o ser humano àquilo que Immanuel Kant (1985), filósofo alemão do século XVIII, em seu texto Resposta à pergunta: o que é o esclarecimento?, denominou de “autonomia”, ou seja, a condição de não se deixar tutelar por ninguém; àquilo que Adorno definiu como “emancipação”, de não se deixar alienar; ou como diria Freire (1983) é a capacidade de despertar a “consciência crítica”, a faculdade de pensar o real e transformá-lo em algo melhor.

Entendida assim, a educação não é um processo acabado e estático. Ela é um constante “a-prender”. Por meio de uma projeto formativo-educativo o ser humano forja estratégias de superação da opressão, do totalitarismo, do preconceito, do racismo e da barbárie. Daí que a especificidade da educação é a formação humana para o exercício da cidadania em busca da conquista dos direitos que garantem a dignidade da vida humana. Neste sentido, a educação é um ato político, pois, ela forma para a participação no âmbito da cultura, do saber, da coletividade. Porém, muitos sãos os impasses para que esse projeto se efetive e o maior deles é a concepção de uma educação voltada aos interesses do capital, cujo objetivo é capacitar os seres humanos para o mercado de trabalho.

Nas últimas décadas tem sido implementado uma concepção de educação que se distancia da perspectiva emancipadora e crítica. Esse novo modelo educacional resultante do sistema neoliberal e seu aspecto inovador, modernizador e sedutor tem levado ao que Adorno e Horkheimer (1985) denominam de Indústria Cultural, um aparato ideológico cujo objetivo é a negação da cultura como força criadora, a tecnização do conhecimento, a hegemonia do capital, a coisificação do sujeito, a negação da autonomia, o esfacelamento da crítica como pressuposta da tomada de consciência e sobretudo a idealização das forças do capital. Idealizar é negar a contradição, a tensão entre o universal e particular. Idealizado, o indivíduo tende a polarizar o pensamento e o agir e, com facilidade, torna-se um ser dogmático ou pragmático.

Há quem defenda arduamente que a escolai , a universidade é uma organização empresarial e como tal deve ser subsidiada pelos princípios do mercado. Assiste-se a um crescente número de escolas e universidades que já adotam essa visão de educação. Nesse sentido, educar é capacitar os indivíduos para o mercado de trabalho seguindo os princípios da gestão e da eficiência econômica favorecendo a competitividade como fator preponderante aos sistemas educacionais (LAVAL, 2019).

Essa visão de educação termina por perpetuar a lógica reprodutivista, conteudista e quantificação de informações. A questão não é deixar de transmitir os conhecimentos e informações, mas tornar isso o critério fundamental da ação educativa. A transmissão de conhecimentos construídos historicamente tem seu lugar dentro do projeto educativo, mas não o define sua natureza. O que se quer apontar aqui é uma reflexão sobre a deformação do indivíduo, portanto, a negação de sua existência como ser de direitos, pois no plano do capital o mais importante não é o sujeito, mas o lucro. No que se refere ao modelo reprodutivista o que importa são as metas, a pontuação no Índice de Desenvolvimento da educação Básica (IDEB), a quantidade de aprovações nas escolas, nas universidades, entre outros indicadores.

A humanidade tem feito uma trajetória que se opõe àquilo que é da natureza da educação: a humanização. Mesmo vivendo em uma época de grande produção de informações, conhecimento, o ser humano encontra-se mergulhado em terreno movediço. A técnico-ciência representa uma evolução em setores fundamentais à vida dos seres de todas as espécies e natureza, mas nem por isso o ser humano tem se tornado amável, respeitoso, cuidadoso e fraternal. Assistiu-se a chegada do homem à lua; admira-se o surgimento da inteligência artificial, o uso da robótica para cirurgias de altíssima gravidade; produz-se alimentos em quantidade nunca vista na história, mas não se eliminou a forme, não se encontrou a cura de centenas de doenças, a destruição ambiental em esfera global, o armamento bélico, entre males sociais, biológicos, culturais, econômicos e políticos. A humanidade assistiu duas grandes guerras no século XX e seus efeitos devastadores e nem assim ainda conseguiu construir uma cultura de paz.

É notável o ressurgimento de ideologias nazifascistas em todo o mundo. Não se pode negligenciar que a humanidade evoluiu em tecnologias digitais de informações, mas o mesmo não ocorreu com os valores humanos e a dignidade da vida. As informações são transmitidas dos mais distantes lugares do mundo em tempo real. O que se levava décadas e/ou até séculos para se ter acesso chega hoje, em milésimos de segundo a milhões de pessoas no mundo. Ninguém está oculto. O princípio cartesiano do “cogito, ergo sum” já não é mais válido. A existência está sob o dogma, o império da visibilidade. Agora, a existência é validada por outro princípio: “sou visto, logo existo”, como afirma Joel Birman em seu texto, publicado no livro Tiranias da visibilidade: o visível e o invisível nas sociedades contemporâneas organizado por Nicole Aurbet e Claudine Haroche, intitulado Sou visto, logo existo: a visibilidade em questão. Da negação do cogito surge um outro “critério ontológico”, o da visibilidade (BIRMAN, 2013).

Não se trata de uma nova consciência formativa-educativa humanizadora. Ao contrário, reforça o império do neoliberalismo sobre à dignidade da vida. Daí, a vida em todas as suas manifestações, racionais ou não, passam a ser consideradas descartáveis. Os animais de estimação não são queridos por amor a eles, mas porque eles estão sob o domínio de seus donos. Por isso, é mais fácil criar um animalzinho que criar um ser humano. Qualquer animal ao nascer em poucas horas já sai andando, enquanto uma criança passa a andar por volta de seus 10 meses de idade. Então, é mais fácil treinar um animal, adestrá-lo aos meus interesses do que educar uma criança para o exercício da autonomia, da liberdade, da vida coletiva, da fraternidade, da igualdade. Isso exige tempo, dedicação afetiva e efetiva, cuidado, educação, saúde, moradia, etc.

Por fim, é preciso dizer que a pergunta: Educação, para quê?, é ainda uma questão que se impõe, sobretudo, pela necessidade de humanização das sociedades contemporâneas. A educação é um projeto que precisa ser resgatado em seu sentido mais pleno, um ato de humanização. Como um agir propriamente humano, a educação requer uma consciência crítica e uma postura amorosa diante da vida em suas mais diferentes manifestações. Ao despertar o ser humano para uma consciência coletiva, a educação é um ato político em prol da civilidade humana. Ela não é só um ato político, mas, também, um ato de amor e generosidade com os seres humanos, com a natureza, com o mundo. Daí a necessidade urgente de não deixar que a barbárie se repita como proponha Adorno (, pois toda forma de ódio é negação da civilidade e uma ameaça contra a vida humana e do planeta. É preciso construir uma consciência de que somente o amor é civilizador e para isso só há um caminho, a educação. Assim, a pergunta, Educação, para quê? deve ser uma constante na vida humana e nas escolas e nas universidades, pois todos nós estamos envolvidos de uma forma ou outra com a educação, seja na rua, nas praças, nos restaurantes, nas praças, nas instituições educacionais, nos parques. Somos todos seres “mundanos”, diria Arendt (2019).

Referências

ADORNO, THEODOR W.; Dialética do Esclarecimento. Trad. Guido Antônio de Almeida, Rio de Janeiro: Zahar, 1985.

ARENDT, Hanna. A condição Humana. Trad. Roberto Raposo. 13 ed., Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2019. 

BIRMAN, Joel. Sou visto, logo existo: a visibilidade em questão. In: AUBERT, Nicole; HAROCHE, Claudine. Tiranias da visibilidade: o visível e o invisível nas sociedades contemporâneas. Trad. Francisco Fátima da Silva e Andrea Stahel. São Paulo: FAP-UNIFESP. 

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 12 ed., São Paulo: Paz e Terra, 1983.

KANT, Immanuel. Resposta à pergunta; O que é o Esclarecimento? In: ____. Textos Seletos. Trad. Floriano de Souza Fernandes. 2 ed., Petrópolis: Vozes, 1985.

LAVAL, Christian. A escola não é uma empresa. Neoliberalismo em ataque ao ensino público. Tradução de Mariana Echalar. São Paulo, Boitempo, 2019. i Pensa-se a escola como uma instituição de ensino em todos os níveis, inclusive o Ensino superior. Portanto, a Universidade é uma escola.  

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i Pensa-se a escola como uma instituição de ensino em todos os níveis, inclusive o Ensino superior. Portanto, a Universidade é uma escola.