As questões ambientais estão, cada vez mais, sendo discutidas por pesquisadores das mais diferentes áreas do conhecimento dada aos efeitos devastadores que têm causado imenso dano à vida do planeta. Um dos problemas mais recentes é o aquecimento global, efeito da devastação do meio ambiente, sobretudo das grandes florestas e de biomas fundamentais para a organização da “Casa comum” (1) , conhecido por nós como planeta Terra. Contudo, milhares, senão milhões de pessoas, duvidam que o uso indevido e desproporcional dos elementos da natureza sejam causas reais das mazelas ambientais ocorridas, mais exatamente, nas duas últimas décadas do século XXI: ondas de calor intensas, escassez de água,grandes enchentes, tsunami, entre outras.

Nesse sentido, em 2015, Papa Francisco publicou uma encíclica intitulada Laude dato si, Louvado seja, na qual foi incisivo em dizer que a sociedade mundial precisa urgentemente rever suas ações em relação ao meio ambiente; criticou o capitalismo selvagem, o neoliberalismo e as forças majoritárias mundiais que usam a natureza para seus interesses econômicos. Nessa encíclica, o pontífice romano passa a chamar a Terra não mais de planeta, mas de Casa Comum. O termo é revelador de uma consciência de que todos os seres humanos são responsáveis pelo equilíbrio da casa que habitamos - a Terra.

Já em 4 de outubro de 2023, o papa Francisco publicou uma exortação apostólica intitulada Laudate Deum, Louvai a Deus, considerada por ambientalistas e teólogos como sendo uma continuidade às questões abordadas na encíclica Laudato si. Nessa exortação, o bispo de Roma afirma que a humanidade ainda não está fazendo a lição de casa como deveria, pois poucas foram as ações afirmativas em favor da preservação e cuidado com a Casa Comum.

O certo é que ambos os textos pontifícios revelam uma preocupação com as questões ambientais, sobretudo às mudanças climáticas e a degradação da casa comum, este lugar onde habitamos.

No Brasil, a Laudato si tornou-se um instrumento importante para se pensar a lógica que subsidia a destruição das florestas nativas em regiões de fronteira agropecuária e de lavouras extensivas, a presença de grandes mineradoras e,  consequentemente, o garimpo ilegal em regiões de reservas ambientais, a dizimação dos povos originários e suas culturas.

O texto do pontífice vem fortalecendo as ações em prol da superação da realidade ambiental global, pois todos esses problemas geram sofrimentos ainda maiores para os povos empobrecidos do campo, das periferias das cidades, dos territórios de reservas (indígenas e quilombolas) e também à existência da vida no planeta. E quanto a isso, pesquisas nacionais (2) e internacionais (3) demonstram que, a violenta degradação dos bens naturais, sobretudo, as florestas tropicais e os biomas naturais podem causar danos irreparáveis para a humanidade.

É fato, que o avanço dos conflitos com a natureza (em sua forma mais ampla) está diretamente relacionado com a expansão do capital agrário (financiado pelo sistema bancário e apoiado pelo setor industrial que necessita de matéria prima natural – madeira, minérios, entre outros). Por outro lado, percebe-se uma insuficiente sensibilidade do ser humano diante dessas questões que ameaçam todas as formas de vida no e do planeta, motivo pelo qual o Papa Francisco se propôs uma autocritica.

Na encíclica Laudato si, o Papa uniu religião e ciência para propor um conjunto de reflexões sobre o conceito de ecologia integral, sensibilizar, incentivar e mobilizar a humanidade para um compromisso com a Casa comum sim, ele convoca todos os seres humanos à superação de uma visão rasa, reducionista a do mundo, onde o ser humano exerce o domínio sobre a natureza e propõe uma cosmovisão ecológica, centrada na inter-relação entre homem- meio-mundo, acentuando a impossibilidade de se continuar agindo de modo particular frente às questões que se referem a um todo, a um coletivo de seres.

  • Lanço um convite urgente a renovar o diálogo sobre a maneira como estamos a construir o futuro do planeta. Precisamos de um debate que nos una a todos, porque o desafio ambiental, que vivemos, e as suas raízes humanas dizem respeito e têm impacto sobre todos nós. [...] Precisamos de nova solidariedade universal. Como disseram os bispos da África do Sul, «são necessários os talentos e o envolvimento de todos para reparar o dano causado pelos humanos sobre a criação de Deus». Todos podemos colaborar, como instrumentos de Deus, no cuidado da criação, cada um a partir da sua cultura, experiência, iniciativas e capacidades (LS, n.14, 2015).

A concepção do pontífice vai de encontro com a proposta de Edgar Morin (4) (2000), para quem a vida é multidimensional, portanto, não há como compreender o ser humano, o meio e o mundo de forma isolada. Para Morin (2000), o grande problema é o modo como os seres humanos lidam com o conhecimento. As sociedades modernas fragmentaram o conhecimento e o dividiu em especialidades, por isso, terminaram classificando os seres em melhores ou piores, preferindo os primeiros aos segundos. Segundo ele, essa concepção de mundo e, acertadamente de educação, é excludente e, linear, estática e vazia.

Para transformar o ser humano, o meio e o mundo é preciso investir, urgentemente, em uma educação que ultrapasse o território geográfico da escola, inclusive é necessário implodir os muros que a cercam. Não se trata de um processo, mas de um projeto coletivo. É nesse sentido que se pode entender a Laudato si e, hoje, a Laudate Deum como referências para uma educação planetária proposta por Morin (1999) e a ecologia integral, segundo o Papa Francisco (2015).

A ecologia integral proposta pelo Papa Francisco é uma forma, um modo de sentir, perceber e pensar o mundo por meio de uma interação entre as dimensões da vida humana: social, histórica, política, econômica, religiosa, entre outras. Para o Papa, é preciso, urgentemente, proteger a casa comum e, para isso, ele convoca todos os seres humanos a se unirem na construção de ações sustentáveis e de forma integral, que possam de fato transformar a sociedade e preservar a casa comum de grandes catástrofes (LS, 2015. n. 13).

Na concepção do pontífice romano, a ecologia integral é centrada no princípio da sustentabilidade ambiental, econômica e social, rompendo com a visão fragmentada, dominadora e de exploração do planeta. Para o Papa Francisco “[...] boa parte de nossa informação genética é partilhada com muitos seres vivos. Por isso, os conhecimentos fragmentários e isolados podem tornar-se uma forma de ignorância, quando resistem a integrar-se numa visão mais ampla da realidade” (LS, 2015, n. 138).

O princípio da sustentabilidade também requer uma relação com a cultura, pois a ecologia integral “[...] envolve também o cuidado das riquezas culturais da humanidade, no seu sentido amplo” (LS, 2015, n. 143). Não se trata aqui de pensar a cultura apenas do ponto de vista de monumentos do passado, mas entende-la “[...] em seu sentido vivo, dinâmico e participativo – que não se pode excluir na hora de repensar a relação do ser  humano com o meio ambiente” (LS, 2015, n.143). Por fim, a ecologia integral requer uma justiça intergeracional, pois “[...] a noção de bem comum engloba também as gerações futuras” (LS, 2015, n.159). Esse tipo de justiça é a garantia de que todos os seres humanos e animais tenham condições de vida digna para suas sobrevivências.

E quanto a isso também, na teoria, a Constituição Federal do Brasil (1988) garante em seu art. 225, $ 1º, inciso VI e VII, o direito à vida aos não humanos e podemos ler que é dever do poder público “proteger a fauna e flora” de tudo que possa provocar desequilíbrio e extinção de animais. Nesse sentido, em 1998 foi aprovada a Lei Federal nº. 9.605, que em seu art. 32 torna crime a prática de abuso e maus-tratos contra animais de qualquer espécie.

Mas essas iniciativas estão longe de amenizar os problemas que afetam a Casa Comum, e é preciso fazer muito mais que leis: É necessário chamar toda a humanidade à responsabilidade do cuidado com a Casa Comum e, por isso, é necessário que a educação seja, sobretudo, ecológica e integral.

Cabe a todo cidadão proteger e cuidar da Casa Comum, tomando consciência de sua importância para a garantia da vida digna para todos os povos. Isso exige, de toda a humanidade, uma nova postura que favoreça não somente o aperfeiçoamento humano, mas a preservação do planeta, de seus biomas, a diversidade da fauna e da flora e de todas as formas de vida existentes. Isso requer uma mudança profunda de atitude formativa-educativa por parte de toda a humanidade, ou seja, uma atitude radical de responsabilidade ética, estética e política, e o mais nobre de todos os valores humanos: o Amor, a força que impulsiona, que cria o desejo de reavivar a chama que fumega lá no profundo do ser humano.

Esperamos que o dia 4 de outubro de 2023 seja mais que uma exortação. Que esse dia se torne um marco na construção de um novo olhar sobre a vida. Que este dia anuncie bons ventos, capazes de fazer cair as “folhas secas” que ainda se conservam ligadas às mentalidades obsoletas e inspirem os humanos a construir um mundo ecologicamente novo, para que as novas gerações possam viver com dignidade, justiça, social e ambiental.

Bibliografia

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Senado Federal, 1988.
PAPA FRANCISCO. Laudato si. Vaticano, 2015.
_______. Laudato Deum. Vaticano. 2023.
MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. Trad. de Catarina Eleonora F. Silva e Jeanne Sawaya, São Paulo: Cortez, 2000.

 

Referências

(1) Esse termo foi criado pela primeira vez pelo Papa Francisco e citado oficialmente na encíclica Laudato si (Louvado seja).

(2) No Brasil há um sistema de órgãos públicos para a defesa do Meio Ambiente: Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA). Também a Constituição Federal do Brasil no art. 225 regula a proteção do meio ambiente.

(3) O principal órgão mundial em defesa do meio ambiente é o Programa das Nações para o Meio Ambiente (PNEUMA). 

(4) Edgar Morin é um pensador francês-judeu, autor da Teoria da Complexidade.