Em um hospital de Nápoles, no sul da Itália, uma enfermeira e um enfermeiro de plantão foram agredidos com socos, na noite do último dia 18, pelo filho de um paciente que havia chegado de ambulância e acabou morto em decorrência de uma parada cardíaca.

Naquela mesma semana, em Gênova, no noroeste do país, uma médica, também do pronto-socorro, havia sido empurrada e estapeada por uma paciente que, segundo a polícia, teve um acesso de raiva pelo fato de ter tido alta sem ter recebido um diagnóstico.

Episódios de violência contra trabalhadores da saúde se tornaram frequentes na Itália, chamando a atenção para um fenômeno que, dizem especialistas, ganhou nova dimensão após a pandemia de Covid.

O início da primeira onda de casos da doença, quando médicos e enfermeiros ainda eram aplaudidos das janelas e sacadas, completou três anos na última semana.

De acordo com dados preliminares do Ministério da Saúde, foram registrados 85 episódios graves de violência no ano passado, ante 60 em 2021. Em outro levantamento, do órgão que trata de seguros por acidentes em locais de trabalho (Inail), foram relatados 12 mil episódios, desde ameaças verbais a agressões, entre 2016 e 2020.

Embora faltem dados atualizados que tratem do tema na Europa, a situação não se limita à Itália. Em 2020, diversas organizações de médicos se uniram para criar o Dia Europeu de Conscientização sobre a Violência contra Profissionais de Saúde, em 12 de março.

No Reino Unido, onde os casos contra servidores da área também ganharam as páginas policiais, foram registrados mais de 3.500 ataques físicos contra trabalhadores de ambulâncias em 2020, 30% a mais do que em 2015. Nos hospitais universitários de Oxford, os episódios foram de 80 em 2020 a 180 no ano seguinte. Como resposta, alguns setores do serviço sanitário passaram a usar câmeras nos jalecos, para filmar e tentar coibir comportamentos abusivos.

Para Katarzyna Czabanowska, professora do Departamento de Saúde Internacional da Universidade de Maastricht, na Holanda, o fenômeno, antes concentrado em zonas de conflito, como países em guerra, tem sido observado de forma rotineira em hospitais europeus.

"Além de razões históricas, estruturais e sistêmicas, também influenciam as equipes reduzidas e os cortes de custos, que levam a listas de esperas", afirma ela, coautora de um artigo sobre o assunto publicado em dezembro no European Journal of Public Health.

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Além de ter evidenciado problemas da área da saúde, a pandemia trouxe como novos componentes a polarização e a desinformação. "Com o crescimento de movimentos nacionalistas, teorias conspiratórias e antivacinas, trabalhadores da linha de frente, que tinham de implementar as medidas anunciadas por governos, passaram a sofrer ataques verbais, físicos e de ódio nas redes sociais."

"A violência contra profissionais da saúde é um problema político", diz a professora, que cita o direito ao aborto como outra questão instrumentalizada pelo debate político que acaba por colocar na mira esses trabalhadores.

A imposição de regras como distanciamento físico, uso de máscara e comprovante da vacina coincidiu com um cenário de estresse coletivo que contribuiu para o fenômeno das agressões, algo que não diminuiu com o arrefecer da pandemia, diz Annamaria Bagnasco, professora do Departamento de Ciências da Saúde da Universidade de Gênova.

"Há uma situação de cansaço generalizado na população. Na área da saúde, pesam ainda fatores como equipes insuficientes, com profissionais que, por anos, enfrentam sobrecarga de trabalho."

Para Barbara Mangiacavalli, presidente da Federação Nacional das Ordens das Profissões de Enfermagem, a violência é um sintoma de carências do atendimento público territorial, como o praticado pelos médicos de família e ambulatórios menores.

"Quando o cidadão precisa de algo que só consegue encontrar no pronto-socorro e precisa esperar horas por um atendimento, ele se torna irritável. Não serve como desculpa, mas o sistema precisa dar respostas", diz. Segundo a entidade, uma relação adequada e segura tanto para enfermeiros quanto para assistidos é de um profissional para cada seis pacientes. Hoje, esse índice na Itália é de um para 12.

Autora de um estudo junto com a federação, realizado entre 2020 e 2021 com mais de 5.000 enfermeiros de 19 estruturas públicas, Bagnasco conta que 32% dos enfermeiros afirmaram ter sofrido ao menos um episódio de violência física e verbal nos 12 meses anteriores.

Para 66%, a frequência dos casos está em aumento. Uma das mais expostas às agressões de pacientes ou acompanhantes, a categoria é composta majoritariamente por mulheres (75% no estudo), o que configura, segundo a professora, uma violência também por motivo de gênero.

As consequências do aumento de casos recaem sobre as vítimas, que ficam mais suscetíveis a terem burnout e depressão, mas seus efeitos se espalham por todo o sistema, podendo causar desde afastamentos temporários por licenças médicas até o abandono da profissão.

"A qualidade do cuidado é rebaixada, com mais chances para erros médicos", diz Czabanowska. Segundo as especialistas, a redução dos casos de violência contra trabalhadores da saúde passa pela inclusão do tema nas políticas públicas e pelo investimento em proteção e treinamento, para que aprendam a identificar riscos e a contorná-los.

"Mas nada disso é aplicável se faltam funcionários", afirma Bagnasco.