Diz o ditado que todo boato tem um fundo de verdade. Será? Casos emblemáticos na vida de figuras públicas ou de cidadãos comuns mostram que uma mentira pode se tornar verdade se muito bem plantada e espalhada. Observação atribuída ao sociólogo francês Jean-Noël Kapferer, autor de um tratado sobre o assunto, Rumeurs (Rumores), diz que nem todo boato é falso, mas também nem toda notícia é verdadeira, embora esta seja a única passível de controle.

 

No meio político, são célebres os boatos espalhados para prejudicar a reputação de um candidato, sobretudo, às vésperas das eleições. No Brasil e aqui no Tocantins, são muitos os exemplos desta natureza. Um dos casos mais lembrados foi durante uma das campanhas para a prefeitura de palmas. Um boato deu conta de que um dos candidatos não gostava de pobre e lavava as mãos com álcool gel após os contatos nas ruas.

 

E isso não é uma invenção moderna do mundo do marketing. Na Roma Antiga, para alimentar o prazer da plebe pelos rumores, os imperadores nomeavam delatores. Estes tinham a função de circular pelas ruas e levar ao imperador a vox populi, a voz do povo. Se os boatos fossem prejudiciais à imagem do imperador, os delatores lançavam novos boatos com sentido contrário.

 

Profissional de marketing que atua, sobretudo, com o marketing de rua, José Escobar Cavalcante destaca que combater um boato é possível, mas é difícil eliminá-lo. Uma das atuações de Escobar é com os chamados virais, campanhas boca a boca. “Ressaltamos os pontos positivos do candidato como um antídoto contra o boato disseminado”, ensina.

 

WhatsApp

A prática do boato que já era danosa, hoje se tornou ainda mais poderosa com as redes sociais, sobretudo, com o aplicativo WhatsApp. O publicitário e marqueteiro político Marcelo Silva observa que todos podem ser vítimas e de uma forma ainda mais contundente pelo aplicativo. “Há casos de quem se faz passar por quem tem informação privilegiada, que fazem até gravações com tom emocional e aquilo se dissemina com uma velocidade incrível”, conta ele, ao dar como exemplo situações como da atual greve da Polícia Civil, onde boatos já deram conta de gravações de bandidos e ou de vítimas, mas que se identificou serem inverídicas.

 

Marcelo Silva ressalta que a pessoa vítima do boato fica numa situação difícil porque, se ela denuncia ou debate a situação, pode amplificar o problema. “O ideal é tomar providências judiciais, mas não levar à imprensa, por exemplo, porque assim estará fazendo o que o boateiro quer que se faça.” Silva está acostumado a combater este tipo de prática no meio político. “Não conquista a simpatia do eleitor e fica na conta de quem se beneficiou do boato”, conclui.

 

Pessoal

Na vida privada as consequências podem ser ainda maiores. Quem não se lembra do caso da dona de casa Fabiane Maria de Jesus que, em 2014, foi espancada e morta no Guarujá, no litoral de São Paulo, ao ser confundida com uma suposta sequestradora de crianças que praticava rituais de magia negra? Com uma foto postada numa página no Facebook, erroneamente, ela foi retirada de casa à força e espancada por moradores.

 

Em Palmas, em 2014, também virou notícia o caso de um garçom que foi vítima de um boato também divulgado pelo WhatsApp. Uma foto dele circulou na rede social como suposto estuprador. A mensagem que acompanhava a foto dizia que o garçom já teria cometido três estupros e teria tentando violentar outras cinco mulheres. Em entrevista aos veículos de comunicação do Grupo Jaime Câmara (GJC), à época, ele disse que sua vida ia demorar a voltar ao normal. Ele não foi encontrado para comentar o assunto.

 

Mentira

Outra jovem palmense, uma estudante, que prefere não se identificar, sofreu as consequências da mentira na sua vida afetiva. Em 2014, a jovem começou a namorar com um rapaz muito bonito e inteligente, mas que tinha um grave defeito: “Ele mentia muito e quando descobri já estava apaixonada, mas tive que deixá-lo”, conta a jovem, ao lembrar que ele se passava por dono de uma empresa, quando, na verdade, era apenas funcionário. Ele também chegou a convidá-la para uma viagem internacional que não aconteceu.

 

A jovem conta que teve choque maior ao descobrir que o ex-namorado, na verdade, sofria de um transtorno de personalidade e precisava de tratamento. “Mas ele não aceitava que era uma doença e nunca buscou ajuda, mesmo com a insistência da família”, conta ela. “Ele dizia que resolveria sozinho, mas na verdade todos se afastavam dele e ele se isolou”, completa.

 

Consequências

A psicóloga especialista em terapia cognitiva e comportamental Selma Alves Pereira ressalta que em se tratando de mentira e fofoca essa má conduta tem o poder de arruinar as relações gerando conflitos em quaisquer dos ambientes. “As consequências emocionais são muito danosas, inclusive com o aparecimento de doenças”, diz ela, ao citar que a vítima pode ficar depressiva, ansiosa e sofrer de síndrome do pânico.

 

O problema de tudo isso, para a especialista, é quando a pessoa inconscientemente toma para si os boatos sofridos como verdade. “Isso pode tirar a sua alegria, a sua energia, porque a pessoa assume aquilo que trazem nos boatos como verdadeiro.”

 

No caso das pessoas que mentem por uma questão de transtorno, como a chamada mitomania, ela destaca que o problema é, sobretudo, para elas próprias. Segundo o especialista, nos desvios de conduta a pessoa não tem intenção de prejudicar o outro. “Ela mente e dissimula, mas se vangloriando, e isso muitas vezes está relacionado à sua história de vida, onde, por exemplo, precisou se sobressair em algum momento e tomou isso como uma prática”, destaca.

 

Um antídoto, de acordo com a especialista, é tentar se preservar de modo a não se colocar nas situações como vítima e ou não se envolver. “Às vezes é uma situação involuntária e quando se vê está no meio de uma fofoca. Mas, ao perceber, é ideal se afastar e tomar muito cuidado”, destaca.

 

Como se pode ver, nem todo boato pode ter um fundo de verdade. Mas todo boato tem algo a mostrar sobre o comportamento do boateiro e o meio em quem vive.