Diz a lenda que Alexandre, o Grande, queria a todo custo entrar no Santo dos Santos, no templo construído por Salomão. Ali, havia uma câmara onde os judeus diziam que Deus manifestava a sua glória. O rei macedônio andava curioso para conhecer esse Deus. Depois que devassou a cidade e o templo, ele se decepcionou: o lugar era um mero espaço vazio, escuro e profundamente silencioso.

 

Alexandre não conhecia místicos de várias tradições da espiritualidade. Muitos haviam intuído que o vazio é sagrado e o nada guarda mistério.

 

Desacostumado com o exercício da meditação, confesso minha dificuldade de lidar com o silêncio. Sei que não alcanço o sentido maior de textos como o Salmo 46.10: Aquiete-se. Só assim você vai perceber que sou Deus. Sinto a necessidade de inundar a mente, feito menino, com perguntas sem fim: Por que existe alguma coisa e não o nada? Os confins do universo possuem margem? Por que, no processo evolutivo, os humanos desenvolveram a angústia? A realidade, nos sonhos, que expõe o universo do inconsciente, não seria ainda mais real do que o mundo consciente?

 

Enquanto martelo essas indagações, imagino poder alcançar a resposta aos por quês. Sentado ou correndo, penso, penso, penso. Mesmo sabendo que nunca me satisfarei com a imensidão do mistério que me envolve, não descanso a curiosidade. Quero respostas não para o como das coisas, necessito tocar o imensurável com os meus desesperados por quês.

 

Semelhante ao imperador, não sei lidar bem com o vazio sagrado. Loto meus dias de barulho. Vivo apressado. Não ter que conviver com o nada parece ter força de aliviar o medo da morte. Divertimento, no sentido filosófico, vira narcótico – miçanga de uma felicidade real. Se o imarcescível só é percebido no vazio, preciso exercitar o que o profeta aconselhou: Bom é ter esperança, e aguardar em silêncio a salvação do Senhor… Assente-se solitário e fique em silêncio [Lamentações 3.26-28].

 

O Tao também ensina:

Trinta raios unem um eixo,

A utilidade da roda vem do vazio.

Queima-se o barro para fazer o pote.

A utilidade do pote vem do vazio.

Rasgam-se janelas e portas para criar o quarto.

A utilidade do quarto vem do vazio.

Portanto,

Ter leva ao lucro,

Não ter leva ao uso.

 

Quem sabe, a resposta às grandes perguntas da vida habite a coragem de conviver com o vazio. Nada nos inquietar, senão com nosso próprio enigma, talvez ajude. A solução que tanto procuramos pode vir não da racionalidade, mas da noite escura do não-saber. Como ensinaram os místicos, o convívio com as profundezas de nosso interior deve bastar. A não-resposta, a não-solução e o não-sei se irmanam à razão para nos deixar na companhia do essencial.

 

O mistério da vida talvez venha do convívio tranquilo com o que não dominamos. Quem sabe, longe das demandas da competência, sem as vozes da onisciência, consigamos conquistar o abismo que nos impede de achar o verdadeiro eu - e com ele, o sagrado. No templo de Apolo em Delfos, lia-se: Conhece-te a ti mesmo. Mais tarde, a mesma frase foi atribuído a Sócrates com um complemento: Conhece-te a ti mesmo e conhecerás o universo e os deuses.

 

Jesus de Nazaré avisou: quem quiser ganhar a vida vai perdê-la e quem ousar perder a sua vida vai ganhá-la. Em outras palavras: se temos coragem de nos esvaziar da arrogância de tudo possuir e tudo saber, podemos intuir o inaudível, sentir o imperceptível e experimentar o indescritível. No silêncio, desvelamos nossa pessoalidade – que nos singulariza em um universo impessoal. Não seria precisamente esse o maior de todos os segredos?